Medalhas, menções honrosas, programas de iniciação científica... A lista de prêmios da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) é um sonho para os fãs das ciências exatas. Mas a honraria mais desejada pelos jovens talentos da cidade mineira de Dores do Turvo passa longe, por exemplo, dos selfies com a presidente da República, Dilma Rousseff, na cerimônia que encerra a disputa. E está mais ligada à astronomia e à geografia do que propriamente ao mundo dos números.
- Este ano, na viagem que fizemos ao Rio de Janeiro, dos 36 meninos que participaram, só cinco ou seis já tinham visto o mar – conta o professor Geraldo Amintas de Castro Moreira, de 55 anos, da Escola Estadual Terezinha Pereira, única opção na cidade para cursar o segundo ciclo do Ensino Fundamental e o Ensino Médio. – Imagina o efeito multiplicador que isso tem nas outras crianças. Elas querem se destacar nos estudos para ir ao Rio, ver o mar, ficar hospedadas num hotel... Pequenos luxos que dificilmente alcançariam, não fosse o bom desempenho escolar.
Geraldo, ou Guingo, para alunos e ex-alunos, é responsável por um dos maiores fenômenos da Obmep. A pequena Dores do Turvo, na Zona da Mata mineira, emplacou 166 premiações nas olimpíadas – entre medalhas de ouro, prata e bronze e menções honrosas. A cidade tem 4,5 mil habitantes, e não é necessário ser fera em matemática para dimensionar a conquista: três prêmios para cada cem moradores.
- Para nós, é uma honra ver o nome de Dores do Turvo se tornar conhecido pela excelência no ensino – afirma o prefeito da cidade, Ronaldo Marotta de Souza.
Uma excelência que, como destaca o professor Geraldo, já se reflete no IDEB, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. A prova – realizada de dois em dois anos – deixa clara a evolução da Terezinha Pereira. Em 2007, o índice da escola era 4. Em 2011, chegou a 4,8. O resultado de 2013 ainda não foi divulgado, mas a expectativa é grande.
- Estamos confiantes de que conseguimos dar mais um salto – afirma Guingo.
Até porque, em outra avaliação externa, realizada pelo governo de Minas, a escola de Dores do Turvo também apresenta números acima da média. Em 2005, apenas 12% dos alunos estavam no nível recomendado para o ensino de matemática. No ano passado, o quadro se inverteu. Somente 17% tinham um índice considerado insuficiente.
- Esse sucesso vai gerar novos talentos. Os filhos dos nossos alunos vão entrar na escola já pensando em superar os pais. E, graças à OBMEP, os jovens de Dores do Turvo conseguem ir muito mais longe do que sonhavam os estudantes de 15, 20 anos atrás – observa o professor.
Geraldo sabe bem do que está falando. Apesar da formação em matemática, ele perdeu as contas do número de alunos que passaram por sua sala de aula, em 34 anos de magistério. O cardiologista, a dentista, o dono da mercearia, os colegas na Escola Estadual Terezinha Pereira...
- Talvez seja essa uma das diferenças mais importantes entre uma escola pública na cidade pequena e uma numa metrópole. Aqui, você dá aula para o seu filho, o seu sobrinho, o filho do seu vizinho, do seu colega de trabalho. O comprometimento é muito maior. Na cidade grande, muitas vezes, o professor gostaria de ter esse envolvimento, mas o ritmo é diferente. Ele perde tempo no trânsito, tem que dar aulas em mais de uma escola... Nosso tempo é especial e isso se reflete na qualidade do ensino – diz ele.
Um tempo que, às vésperas da OBMEP, costuma a se multiplicar por mil. Para preparar o time de Dores do Turvo, os professores da Terezinha Pereira (sim, todos ex-alunos de Guingo) se desdobram em aulas extras e atividades além do tempo regulamentar. Como bons mosqueteiros do ensino, tratam o “um por todos, todos por um” como um verdadeiro mantra.
- O que diferencia Dores do Turvo é o trabalho realizado no dia a dia. Os alunos se esforçam porque sabem o sacrifício que fazemos para vir fora do horário ou perder um dia de folga. Eles sabem que os professores estão ali para garantir que eles tenham um futuro melhor. E nos dão esse retorno maravilhoso – derrama-se o professor.
O sucesso nem de longe subiu à cabeça de Geraldo. Ele faz questão de dividir os louros com toda a equipe da escola e afirma que só usa a braçadeira de capitão por ser o mais velho da turma. Também não gosta muito de falar de si próprio. Conta que a matemática surgiu em sua vida quase que por acaso: na falta de opções na faculdade local, escolheu o curso que juntava a disciplina, mais física e química. Pensava em fazer dessa primeira experiência um trampolim para uma universidade federal. Mas foi parar numa sala de aula. E aí, a história mudou de rumo.
- Fiquei fascinado pelo magistério. Mesmo com todas as dificuldades da carreira, descobri ali o que eu queria fazer pelo resto da vida. A sala de aula me conquistou – lembra ele.
Conquistou e recompensou. Um dos professores mais premiados da OBMEP, Geraldo acaba de receber o troféu Fernando de Azevedo – Educador do Ano 2013, concedido pela Academia Brasileira de Educação. Mais um golaço da pequena Dores do Turvo.
- O trabalho que o professor Geraldo desenvolve é um exemplo para nossa cidade, para Minas e para o Brasil todo – orgulha-se a diretora da Terezinha Pereira, Ângela Maria Pereira Campos - Os alunos daqui têm um índice de aprovação muito grande nas escolas técnicas da região e, depois, nas universidades públicas. O Geraldo é um multiplicador.
E não apenas no ensino da matemática. Inspirado pelo ex-mestre e hoje colega de trabalho, o professor de geografia Giovani José da Silva resolveu participar de outro concurso nacional: a Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica. Na última disputa, Dores do Turvo teve seis medalhistas, sendo um deles, de ouro.
- O ensino de matemática provoca melhorias em todas as outras áreas do conhecimento – afirma Geraldo
- O Geraldo apresenta um trabalho ímpar em educação, se pensarmos na realidade do nosso país. Está permitindo aos jovens de Dores do Turvo almejar um futuro muito melhor – completa Giovani.
E que ninguém pense que Geraldo e seus colegas da Terezinha Pereira tratam a escola como uma simples linha de montagem de campeões de matemática. Para eles, o que mais importa é a formação de cidadãos.
- Não acredito em escola celeiro de talentos. Por esse Brasil enorme, existem milhares de meninos e meninas com aptidão para essa ou aquela disciplina, que precisam apenas de uma oportunidade. Nossa missão aqui é essa: abrir a cabeça deles para um mundo maior. Mostrar que independentemente da origem, da cor, da classe social, todos podem ir mais longe. É só ter determinação.
No caso de Dores do Turvo, a fórmula virou até slogan: “a trilha do ouro da matemática” é a nova frase símbolo da cidade.
OBMEP: CAPÍTULO MARCANTE NA HISTÓRIA DE MUITOS JOVENS DE DORES DO TURVO
Ônibus na porta, wi-fi gratuito, tablets e computadores... As facilidades com que contam os estudantes das grandes cidades parecem cenas de novela no dia a dia de jovens como Dávila de Carvalho Meireles, de 15 anos, da Escola Estadual Terezinha Pereira, em Dores do Turvo. A garota mora a 50 quilômetros do centro da cidade e sacoleja uma hora e meia num ônibus mal conservado para chegar ao colégio. Nada que a impeça de ser uma das campeãs da OBMEP. Em 2012, por exemplo, teve o segundo melhor resultado do país.
- Tenho facilidade com números – diz a modesta medalhista, que vive com o pai pedreiro e a mãe lavradora num pequeno sítio, na zona rural de Dores do Turvo. – Mas a OBMEP já mudou a minha vida. Vou fazer faculdade – sonha a menina, que, embora ainda não tenha escolhido um curso, sabe que será algo “relacionado à matemática”.
Vai seguir o caminho da conterrânea Tarcilene Heleno, uma das primeiras alunas da Terezinha Pereira a participar da Olimpíada. Graduada em Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora, ela faz doutorado em Acústica e Vibrações na Coppe-UFRJ.
- O Geraldo é um professor que ensina muito mais do que matemática. Ele sempre esteve presente nas nossas vidas, sempre nos aconselhando, nos acompanhando, mesmo que de longe. Tenho muito orgulho de ter sido aluna dele.
Apesar dos prêmios, nada é mais incentivador do que o sucesso de um ex-aluno. E, naturalmente, os ex-olímpicos de Dores do Turvo gostam de voltar à cidade para contar suas experiências e estimular a garotada a participar. Muitos também oferecem prêmios: celulares, tablets, máquinas fotográficas, aparelhos de MP3 e, em ano de Copa do Mundo, camisas oficiais da Seleção Brasileira.
- Para ganhar, tem que se dedicar – observa o professor Geraldo Amintas.
A dedicação inclui cumprir mais um turno de até cinco horas de estudos de matemática após a grade normal de aulas. Neste período extra, os alunos trabalham com material fornecido pela própria OBMEP, sobretudo o Banco de Questões.
- E ninguém vem aqui para decorar fórmulas. Desenvolver o raciocínio lógico é a nossa tarefa com esses garotos – diz ele.
Quem consegue vai subindo degraus mais rapidamente. Filipe Jessé de Castro Arruda, de 15 anos, também morador da zona rural de Dores do Turvo, ganhou uma medalha de ouro na Olimpíada e, graças ao reforço no estudo, passou no concurso para uma prestigiada escola técnica em Juiz de Fora.
- Sem a matemática, não teria sido possível – afirma o garoto.
A lista de premiados não apenas aumenta como muda quase todos os anos, como lembra o professor Geraldo. Dos 29 premiados em 2012, só 11 conseguiram passar para a segunda fase de 2013. Em 2013, 36 alunos da Terezinha Pereira participaram da segunda fase da Obmep. E 33 foram premiados.
- Os alunos querem sempre superar os veteranos. E quem está no pódio não quer sair de lá. Então, todos estudam com determinação e vão para as provas superestimulados. É uma disputa saudável, porque todos se ajudam – diz Guingo.
- Graças ao trabalho dos professores da Terezinha Pereira, minha vida mudou – afirma Fernando Moreira Ribeiro, mestrando em engenharia elétrica na Universidade Federal de Minas Gerais.
A história de Fernando é realmente emblemática. Ele conquistou a primeira menção honrosa da escola na OBMEP, em 2005. Acertou as 20 questões da primeira fase. Com o talento para a matemática revelado ali, não teve dificuldades em entrar para a UFMG. Detalhe: em 2012, ao se graduar em engenharia, foi novamente premiado. Desta vez, pela própria universidade, como o melhor aluno entre todos os formandos.
- A OBMEP é um capítulo marcante na minha história. Como um garoto da zona rural de uma cidade pequena chegaria tão longe? – indaga o rapaz.
O segredo, talvez, esteja nesse jeitinho mineiro de mostrar a meninos e meninas que a matemática não é um bicho-papão – e, nessa campo, o professor Geraldo é camisa dez.
- A maneira como ele ensina matemática me fez perceber a aptidão que eu tinha para a área de exatas. Foi fundamental para eu escolher a engenharia de produção – conta outra ex-aluna da Terezinha Pereira, Danielle Marotta, hoje uma universitária na Federal de Viçosa.