Professora de escola do sertão paraibano é tema da 6ª reportagem da série OBMEP 10 anos
No sertão da Paraíba, os mosqueteiros da matemática
Um por todos e todos por um. O lema dos Três Mosqueteiros está mais vivo do que nunca em Paulista, um pequeno município de 11 mil habitantes no sertão da Paraíba. Mas não são apenas três. São dezenas de meninos e meninas unidos pelo amor à matemática. Em vez de espadas, brandem números, fórmulas e cálculos. Ao contrário dos personagens do clássico de Alexandre Dumas, eles não enfrentam um rei tirano. Precisam, isso sim, lutar contra as dificuldades do dia-a-dia para transformar um cotidiano sem grandes perspectivas na chance real de um futuro melhor. À frente desse pequeno exército de talentos, a professora Jonilda Alves Ferreira, de 45 anos, uma das campeãs da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (Obmep).
- A matemática abre um mundo de possibilidades para esses jovens – aposta a responsável pelos 89 prêmios da Escola Municipal Cândido de Assis Queiroga. – Eles não aprendem apenas a lidar com os números. Passam a ter disciplina para estudar e, com isso, ficam preparados para longos voos.
A própria Jonilda levou tempo para alçar esse voo. Quando concluiu o Ensino Médio, não havia nas redondezas uma faculdade que oferecesse licenciatura em matemática – disciplina que ela já amava desde a infância. Resultado: foi fazer Ciências Econômicas na Faculdade Integrada de Patos. O curso era pago e ela pegava 120 quilômetros de estrada para assistir às aulas. A prefeitura de Paulista oferecia transporte. As dificuldades pareciam numerosas, mas Jonilda nem pensou em desistir.
- No campus mais próximo da Universidade Federal da Paraíba só tinha curso de veterinária. O que eu ia fazer lá? Sempre quis trabalhar com números. Ciências Econômicas era a chance de não ficar longe de matemática – conta ela.
E olha que, aquela altura da vida, a hoje campeã da Obmep já considerava estar indo longe. Afinal de contas, a família lutava com dificuldade. O pai morrera quando Jonilda tinha 11 anos, e a mãe sustentou os oito filhos com o que plantava num pequeno sítio. Não foi à toa que apenas as três meninas conseguiram chegar à faculdade. Os cinco rapazes só tiveram a oportunidade de concluir o Ensino Médio. Talvez, venha daí a força que ela transmite a seus alunos.
- A educação é o melhor caminho. Na verdade, para quem nasce numa situação precária, não existe outra opção. Lógico que não é fácil. Mas, sem estudos, você não chega a lugar algum – observa.
Curiosamente, Jonilda construiu sua história de sucesso saindo e voltando ao mesmo lugar. Ela estudou na Escola Municipal Cândido de Assis Queiroga quando o estabelecimento ainda pertencia à paróquia de Cajazeiras. Os padres davam aulas e a prefeitura se encarregava de ajudar no sustento do colégio. No mesmo lugar onde cursou o Ensino Fundamental, agora ela prepara seus mosqueteiros da matemática.
- Uma das coisas que mais me deixam orgulhosa é ver que, hoje, nossa escola tem, entre seus professores, jovens que foram premiados nas olimpíadas. Eles se formaram e voltaram para retribuir a oportunidade que tiveram aqui – afirma.
A própria Jonilda lamenta que, na infância, não existissem as famosas olimpíadas de matemática – e olha que ela nem precisava de incentivo para estudar uma disciplina que, por décadas, foi um bicho-papão para os alunos. Tanto que, depois de formada em Ciências Econômicas, ela recebeu um convite para lecionar. No início do século XXI, a carência de professores no alto sertão paraibano era tão dramática que dispensava-se licenciatura para os candidatos ao magistério. Ela aceitou, mas ainda meio inconformada.
- Em 2006, a Federal da Paraíba abriu um novo campus, com graduação em Ciências Exatas e habilitação em matemática. Prestei vestibular, passei, fiz o curso e, finalmente, consegui minha sonhada graduação – lembra.
O diploma, como era de se esperar, se reverteu em mais conhecimento para a preparação dos mosqueteiros do sertão. Jonilda faz a linha dura: os alunos que participam de olimpíadas fazem aulas extras à noite e, se começam a relaxar nos estudos, levam um puxão de orelhas.
- Chamo os alunos que estão desinteressados para conversar e botar nos eixos. Muitas crianças, no Brasil inteiro, queriam ter uma oportunidade assim. Não dá para bobear – afirma. – Digo para eles que precisamos vestir a camisa e estudar com afinco. Aí, a gente vê no que vai dar. O melhor é quando você vê jovens que eram rebeldes, que não gostavam de ir à escola, descobrirem um talento desconhecido para a matemática. A vida deles muda radicalmente.
O espírito de grupo também é importante. Mais do que estimular os talentos individuais, Jonilda gosta de botar seus alunos para “jogar juntos”. O sucesso não é desse ou daquele menino – é dos estudantes da Cândido de Assis Queiroga.
- Estudar aqui virou um sonho de consumo na região – revela a diretora Valdelice Coelho Marins. – Nossa clientela é de classe média para baixa, como é comum nas escolas do interior do país. O mais importante é que estamos mostrando ao país todo que, com apoio e dedicação, conseguimos fazer uma escola pública de qualidade.
Valdelice conta que quem atravessa os portões da Cândido de Assis Queiroga compreende como é importante valorizar o ensino público e o magistério. Todos os professores atuam na sua área, ou seja, quem é formado em ciências dá aula da disciplina e por aí vai. Os 492 alunos, do 6º ao 9º do Ensino Fundamental, enchem a boca para dizer onde estudam e gostam de contar que, graças à matemática, vez ou outra o colégio aparece até em programas de televisão.
- Para nós, a Obmep significou muito. Levou longe o nome do colégio e fortaleceu a auto-estima dos alunos. Vocês precisam ver o orgulho com que eles falam “nossa escola”. Eles sabem que a conquista é de todos.
Até porque, como lembra a professora Jonilda, o despertar para a matemática acaba favorecendo o ensino de outras disciplinas e a participação em variadas olimpíadas. Desde o início do ano, ela também dá aulas num colégio particular de Campina Grande. É uma nova frente para desenvolver sua paixão pela matemática. Que, ao que tudo indica, está no DNA. Um de seus filhos, Wanderson, de 13 anos, tem duas medalhas de ouro, uma de prata e outra de bronze nas olimpíadas.
- Acho que ele é o verdadeiro talento matemático da família. Com 13 anos, está cursando o 1º ano do Ensino Médio – coruja a orgulhosa mamãe. – Mas meu marido também voltou a estudar. Fez supletivo do Fundamental II, Educação de Jovens e Adultos e, agora, vai tentar o Enem, para administração. Lá em casa todos seguem o meu conselho: tem que estudar, sem discussão.
Talentos brotam no sertão da Paraíba
Não podia ser diferente – a primeira palavra que Wanderson Ferreira de Almeida, hoje com 13 anos, leu corretamente foi... matemática. Parece difícil para quem está no bê-á-bá, mas o talento do garoto salta aos olhos. Ele já está no 1º ano do Ensino Médio (a idade padrão nessa série é 15 anos) e planeja fazer carreira em engenharia. Ah, sim, o menino é o filho do meio da professora Jonilda Alves Ferreira.
- Matemática sempre foi a minha disciplina favorita e não apenas por causa da minha mãe – garante o simpático campeão da Obmep. – Na verdade, tenho bom desempenho em todas as matérias da área de exatas.
Na Obmep, Wanderson estreou em 2010, no 6º ano do Ensino Fundamental, com uma medalha de ouro. Em 2011, repetiu a dose. Em 2012, ficou com prata e, em 2013, levou bronze. O resultado garantiu uma bolsa de estudos no melhor colégio particular da Paraíba.
- Até hoje, tudo de bom que aconteceu na minha vida está diretamente relacionado à Obmep. Mas não trato isso com sucesso e sim como conquista. É preciso estudar muito, ter dedicação e força de vontade – conta o menino, que se debruça sobre os livros de matemática duas horas todas as noites, já que seu colégio é integral, quatro vezes por semana.
Quanto à mãe professora, ele garante que Jonilda é dedicada e amorosa, mas exigente.
- Ela sempre destaca a importância de sermos humildes e de que nosso grupo funcione na base do um por todos e todos por um – diz Wanderson.
Se Wanderson já nasceu com a matemática no sangue, Laura de Almeida Gomes, de 14 anos, hoje no 9º ano do Ensino Fundamental, custou mais a descobrir esse talento. Ela participou da Obmep pela primeira vez em 2011 e mesmo “sem ter noção do que se tratava”, passou para a segunda fase. Em 2012, conquistou a medalha de ouro e, no ano seguinte, o bronze olímpico.
- Estou ansiosa pela prova da segunda fase deste ano, no dia 13 de setembro, porque passei na primeira e quero fazer bonito em minha quarta olimpíada.
Hoje, Laura estuda matemática além da escola e das aulas extras de Jonilda. Para a universidade, está pensando em Engenharia Elétrica. O pai motorista e a mãe supervisora de escola dão a maior força para a menina estudar, mas a melhor ajuda com que ela conta é da irmã, que está fazendo Engenharia Civil. E o bom desempenho no boletim não é apenas em matemática.
- Sempre gostei de estudar, mas com a Obmep passei a gostar ainda mais. A Olimpíada nos proporciona um conhecimento mais aprofundado.
Para falar da professora Jonilda, a menina não economiza nos elogios:
- É muito prazeroso estudar com ela. A Jonilda sempre nos incentiva e faz tudo para nos ajudar a ter um bom desempenho. Sem falar que é uma companhia bem divertida nas viagens da Obmep.
As viagens são um dos pontos altos da Obmep – mês passado, a garotada se reuniu em Florianópolis, para o IV Encontro do Hotel de Hilbert, que reúne os alunos com melhor desempenho nas aulas presenciais e virtuais do Programa de Iniciação Científica Jr. da Obmep. Eram 200 jovens de todo o país, participando de palestras e grupos de estudo voltados para a solução de problemas. A premiação das olimpíadas, realizada no Rio de Janeiro, também é outro sonho de consumo dos jovens talentos da matemática.
- Sou de uma família de classe média baixa, e eu não me via dando entrevista, viajando de avião e conhecendo tantas coisas, com 13, 14 anos. Mas a matemática me deu essa oportunidade – conta outra aluna de Jonilda, Daniely Mendes da Silva, de 14 anos, que está no 9º ano da Cândido de Assis Queiroga.
Daniely tem duas menções honrosas e um ouro nas três edições da Olimpíada de que participou. Lógico que, em 2014, espera nova medalha de ouro. Mas, independentemente do resultado, o que ela mais gosta mesmo é de participar da disputa.
- Quando fiz a primeira olimpíada, em 2011, nem sabia direito o que era. Mas a experiência me cativou. É um enorme incentivo para estudar – afirma a estudante.
Ao contrário da maioria de seus pares, Daniely – filha de uma merendeira e de uma aposentado que complementa a renda vendendo doces na porta da escola – não vai seguir carreira na área de Exatas. Ela quer cursar medicina. Quer, não. Vai cursar medicina.
- As pessoas ficam surpresas com a minha escolha. Porém, acho normal a gente ser equilibrada em algumas áreas – explica a jovem. – E a matemática me deu essa oportunidade. Ela mostrou que meus sonhos podem ser realizados.
À professora Jonilda, Daniely dedica sua gratidão eterna:
- É uma honra poder estudar com ela. É o tipo de mulher que nos ajuda dentro e fora da escola. Tenho a leve impressão de que foi um anjo da guarda enviado por Deus para nos encaminhar aqui na terra. Ela é um exemplo dos ótimos e maravilhosos professores e educadores que existem em escolas públicas do nosso país.
Sem dúvida, Daniely.