Quatro campeãs formam equipe inédita em Olimpíada

 

Este espaço será dedicado a reportagens especiais sobre pessoas que são protagonistas de histórias inspiradoras relacionadas à Matemática e à OBMEP. Vocês verão histórias transformadoras que mostram como a OBMEP traz benefícios para tanta gente e pode mudar a trajetória de estudantes em todo o País.


Não existe regra ou lei que defina a Matemática como disciplina masculina. Porém ao longo da História recente as mulheres tiveram de romper muitas barreiras para se destacar. O século 21 chegou com muitos avanços, mas continuam a existir muitas barreiras para as mulheres, inclusive na Ciência. 

As barreiras e, por vezes, a falta de incentivo não impediram que quatro jovens brasileiras mergulhassem no raciocínio lógico para mostrar que a disciplina faz parte do cotidiano e que lugar de menina também é na Matemática.

Depois de conquistarem espaço em competições nacionais como a Olímpiada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) e a Olímpiada Brasileira de Matemática (OBM), chegou a hora de elas ganharem o mundo.

Vindas de quatro estados do país, Jamile Falcão Rebouças (Ceará), Júlia Perdigão Saltiel (Rio de Janeiro), Juliana Carvalho de Souza (Minas Gerais) e Mariana Bigolin Groff (Rio Grande do Sul) já entraram para a história como integrantes da primeira equipe feminina a participar de da Olimpíada Europeia de Matemática para Meninas (EGMO, na sigla em inglês) representando o Brasil.

O país vem conquistando respeito no cenário internacional com a Medalha Fields 2014, de Artur Ávila, e os resultados na Olímpiada Internacional de Matemática (IMO) – em 2016, o Brasil obteve o 15º lugar, melhor posição histórica.

Graças ao IMPA, que financiará todos os gastos da viagem, em abril, o quarteto liderado pelo coordenador acadêmico da OBM, Edmilson Motta, e coliderado pela ex-medalhista da OBM, Ana Karoline Borges, vai à Suíça com a missão de mostrar o talento feminino do país na Matemática e iniciar um ciclo que deve abrir portas para que outras jovens sigam os passos no estudo da disciplina sem temer o rótulo de “nerds”.
 




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Mariana Bigolin Groff

Aos 15 anos, Mariana Bigolin Groff já é uma veterana em competições de Matemática. Nessa trajetória olímpica, acumula quatro ouros na OBMEP, um ouro e dois bronzes na OBM, sem contar medalhas em olimpíadas de Física, Química e outras disciplinas.

Estimulada pela mãe, Nara Bigolin – sua maior fã –, a menina se apaixonou por Matemática por enxergar uma forma de desenvolver a criatividade e de se desafiar. Mariana pulou o 6º ano e foi direto para o 7º ano, momento em que as olimpíadas entraram em sua vida.

Séria e determinada, a gaúcha de Porto Alegre (RS) gostaria que o número de meninas em competições de Matemática fosse maior. “Permaneço na Matemática porque observo que as olimpíadas têm um número maior de garotos. Isso não me incomoda, mas me anima para quebrar esse preconceito. O que me incomoda mesmo é quando tentam me empurrar para outras áreas, como Química e Física, como se a Matemática não fosse meu lugar. Mas é sim”, afirmou.

Defensora dos direitos das meninas, Mariana tem sua maior inspiração na cientista francesa Marie Curie, ganhadora de dois prêmios Nobel (Física, em 1903, e Química, em 1911) – primeira mulher a receber a comenda.

“Ela viveu situações muito difíceis, mas isso não a impediu de ganhar um Nobel de Física e um de Química, algo que nenhum outro cientista conseguiu até hoje. Ela é um exemplo de superação, ainda mais por se destacar entre os maiores cientistas do mundo sendo mulher.”

Mariana acabou por se tornar fonte de inspiração para outras meninas, apesar da pouca idade. Ela acha que seu bom desempenho nas competições de Matemática abre as portas para outras garotas. “É um bom começo. Essas meninas verão que áreas descritas pela sociedade como masculinas podem ser femininas também. Ocupando esses espaços elas vão diminuir essa desigualdade e terão influência para ajudar outras mulheres”, concluiu.

Mariana tem o objetivo de chegar à equipe brasileira na IMO e vê na EGMO uma oportunidade de crescimento no cenário olímpico. “Terei contato com outras estudantes e níveis mais altos de competição. Isso vai me ajudar muito do lado emocional, sem contar no crescimento pessoal”, disse.

 

Júlia Perdigão Saltiel

Calada e observadora, Júlia Perdigão Saltiel, 17 anos, é uma campeã discreta. A estudante já ganhou seis ouros na OBMEP, e um ouro, uma prata e dois bronzes na OBM. A carioca tem vida de atleta de Matemática desde o 6º ano do Ensino Fundamental e quer ser engenheira, mas não abre mão de jogar handebol, assistir TV e sair com os amigos.

Para ela, as conquistas são consequência de quem enxerga a disciplina como uma coisa divertida. “A Matemática faz com que as coisas tenham sentido”, disse.

Júlia fará parte da primeira equipe brasileira feminina na EGMO. Para ela, é uma oportunidade de quebrar tabus sobre a relação entre mulheres e as matérias de Exatas. “A maioria das meninas não é incentivada a continuar na Matemática. Esse pode ser um caminho para mostrar que obviamente elas têm o mesmo valor que os homens.”

 

Juliana Carvalho de Souza

Aos 17 anos, a mineira de Igarapé Juliana Carvalho de Souza chegou à equipe da EGMO de mansinho, comendo pelas beiradas. Depois de conquistar dois ouros, duas pratas e um bronze na OBMEP e uma prata e um bronze na OBM, ela estava decepcionada por não conseguir uma medalha na OBM 2016. Por isso, não estaria qualificada para a Semana Olímpica e da seleção para participar da Olimpíada Europeia de Matemática para Meninas (EGMO). Mas isso não lhe tirou o ânimo. Determinada, pediu à coordenação uma chance de participar da seletiva, fazendo a prova à distância. Deu certo! Juliana vibrou ao saber que estava classificada para a EGMO, na Suíça. Foi avisada de que integraria o time feminino por uma amiga, pelas redes sociais.

A menina encaixa os estudos de Matemática em sua rotina intensa. Ela viaja diariamente 48 km até a escola em Belo Horizonte, faz curso técnico em Informática, adora programação, e ainda tem afazeres em casa. Para muitos, seria motivo para deixar de lado os números, mas Juliana sabe que todo o esforço vem acompanhado de reconhecimento. “É isso que me ajuda a não desistir dos meus sonhos”.

“O mais bonito da Matemática é que ela funciona como a construção de um muro. Cada etapa de um problema é um tijolinho. Quando conseguimos encontrar a solução, o muro está construído”, comparou.

A mineira acredita que as meninas deveriam ter mais incentivo para se aproximar da Matemática. “Tem gente que diz que Ciência é coisa para homens porque têm o cérebro mais preparado para as exatas... É absurdo. O que falta mesmo é mais incentivo às meninas. Desde pequenas, elas não são estimuladas a fazer atividades que envolvem lógica, como brincar de Lego. Acham que devem brincar apenas de boneca. Infelizmente é uma cultura que está aí.”

Perseguindo o sonho de um dia representar o Brasil na IMO e seguir carreira nas matérias exatas, Juliana está otimista com o desafio da EGMO. “É uma responsabilidade muito grande representar o Brasil numa competição internacional e há uma certa pressão sobre nós. Mas basta treinarmos e estudarmos que, tenho certeza de que podemos voltar com medalhas e, com nossa superação, mostrar para outras meninas que elas podem também. A Matemática está aí para todas”, disse.

 

Jamile Falcão Rebouças

Mais nova do grupo, Jamile Falcão Rebouças, 14 anos, está sempre sorrindo. Leitora de Harry Potter e fascinada por História, a adolescente de Fortaleza (CE) aprendeu a gostar de Matemática em casa, por influência da mãe, professora da matéria.

Embora a habilidade para lidar com fórmulas e números esteja “no sangue”, ela só percebeu que levava jeito para a disciplina depois da primeira competição.

“A Matemática não é aquela matéria que, em determinado momento, se diz: eu domino todo esse conteúdo. Você pode falar ‘tenho um nível relativamente bom’, mas não tem como saber tudo. Você sempre aprende mais e isso dá incentivo para não parar de estudar. É esse desafio que me fascina.”

Graças ao estudo, Jamile teve “experiências fantásticas”. Sua primeira viagem de avião foi para a 20ª Semana Olímpica, em São José do Rio Preto, em janeiro. Agora se prepara para ir mais longe: à Suíça, representando o Brasil na EGMO.

Ao ser anunciada como membro da seleção feminina, a cearense parecia não acreditar no que estava ouvindo. Entre sorrisos e lágrimas, a cearense parecia não acreditar no que ouvia. O sonho de trilhar um caminho na Matemática ganhava um novo capítulo.

“Participar disso é algo de outro mundo!”

Para Jamile, “a galera tem que tirar esse negócio da cabeça e mostrar que Matemática é tanto para meninos quanto para meninas. Não tem essa coisa de gênero”, definiu.

Antes sonhos distantes, agora participar da EGMO e da IMO já passou a ser uma realidade possível. “Você vê os caras [que conseguiram] e eles são uns monstros. Mas penso: mais novos, eles eram como a gente. Então, por que não tentar? Estou aqui para isso”.