A vocação de Manoel Messias para a profissão de educador pode ter se desenvolvido naturalmente, mas nem por isso foi fácil se tornar professor. Sua primeira experiência em nas salas de aula foi em uma escola rural em Rondônia, isolada da cidade e de difícil acesso. Ao longo de 38 anos de profissão, ele enfrentou muitos desafios para seguir sua vocação. Atualmente, Manoel é professor da Escola Indígena Estadual Mamaindê Cabixi, em Comodoro (MT), que participou da primeira fase da 17ª OBMEP.
Nascido em Januária (MG), Manoel percebeu a facilidade e gosto pela matemática desde cedo. Já formado, em 1984, começou a trabalhar na área rural de Colorado do Oeste, cidade de Rondônia com 18 mil habitantes. Para chegar, percorria mais de 60 km a pé, já que não havia acesso para ônibus ou carro. “A escola era muito longe da cidade e só tinha como ir andando, já que não havia estrada. Era o dia todo andando e, às vezes, precisava parar para dormir. Logo nesse início, cheguei a ficar duas noites perdido no meio da mata. Só no terceiro dia encontrei uma casa. A melhor sensação do mundo foi ter ouvido um cachorro latindo, porque sabia que iria encontrar alguém! Não foi fácil”, relembrou.
Grandes passos de um professor
À época, aos 20 anos, chegou a trabalhar em outras três escolas rurais e de difícil acesso, mas foi na sua quarta transferência que pensou em desistir. “Dessa vez nem me deixaram sair do carro quando me levaram na escola. Foram conversar com os líderes comunitários da região e me avisaram que eu não poderia ficar ali. Não me aceitaram pela minha cor, porque sou negro”, comentou Manoel. Apesar de ter pedido demissão, seu trabalho foi reconhecido e ele foi direcionado para outra comunidade. "Neste lugar, precisava andar somente 10 km a pé, o que já era um ganho”, disse o professor, em tom de brincadeira.
Para Manoel, essa escola foi diferente das anteriores. “Fui tão bem recebido que os pais mandavam três ou quatro marmitas para mim todo dia. Antes, os alunos passavam anos na mesma série escolar e o professor dizia que eles não aprendiam. Tenho alunos que me agradecem até hoje por ter acreditado no potencial deles”, comentou.
Mudou-se então para Corumbiara, onde foi professor de matemática até 2017 e o primeiro diretor da Escola São Roque. A instituição recebia somente alunos do 1º ao 4º ano do Ensino Fundamental e os alunos não tinham opções de escolas próximas para seguir os estudos. “Era muito triste ver as crianças abandonando os estudos. Fui até Colorado do Oeste e consegui pedir uma extensão, assim passamos a ter turmas a partir do 5º ano. Juntamos mais de 600 alunos na cidade! Como vários adultos tiveram que abandonar os estudos cedo, abrimos também para EJA (Educação de Jovens Adultos)”, contou.
Novas esperanças
Nesta escola, o aluno Victor Beatto marcou sua trajetória como professor. Victor foi o primeiro da instituição a conquistar uma menção honrosa na OBMEP, trazendo mais motivação para Manoel continuar o trabalho com a olimpíada. “Ele foi um grande exemplo de que a nossa educação funcionou. Começamos a aplicar a OBMEP em 2009, porque achamos que seria muito interessante incentivar que os alunos estivessem ali se dedicando a aprender matemática”, disse.
Victor recebeu a primeira menção honrosa em 2010 e foi convidado a participar do Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC). “Eu vinha uma vez por mês para Vilhena participar das aulas do PIC e foi muito importante, não só pela matemática, mas pelo lado pessoal. Fui ganhando mais confiança e perdendo a timidez. Me encontrei na matemática, principalmente porque eu era um aluno reservado, e o professor Manoel me incentivou muito. Comecei também a dar aulas de reforço na escola”, comentou Victor.
Depois da primeira OBMEP, Victor conseguiu uma premiação a cada participação na olimpíada. Foram cinco menções honrosas e uma medalha de bronze. Decidiu cursar Arquitetura e Urbanismo e hoje trabalha como arquiteto. “O professor Manoel foi como um pai para a gente. É um cara que claramente tem interesse no desenvolvimento dos alunos! Ele sempre falava sobre a importância de estudar matemática e, para mim, foi importante mesmo. Me proporcionou ter passado para a faculdade que fiz”, disse Victor.
Escola indígena de Comodoro (MT) realizou a OBMEP
Movido por desafios, Manoel leciona, desde 2018, na escola indígena Mamaindê Cabixi, em Comodoro (MT), que é mantida pelo município de Vilhena (RO). Começou a aplicar a OBMEP na 15ª edição, mas não conseguiu mobilizar o transporte para os alunos realizarem a segunda fase. Ele afirma que, este ano, fará de tudo para que os classificados participem. “Para sair da aldeia e chegar na cidade são 2 km a pé, mais 3 km de barco e outros 97 km de carro, sendo que só 63 km são asfaltados. Precisa de toda uma logística para eles fazerem a segunda fase, mas farei de tudo para que isso aconteça!”, disse.
A escola não tem prédio ou casa para a realização das aulas, que acabam sendo feitas em uma estrutura de barracão montada na aldeia, sem paredes ou proteção. “Quando chove muito forte, com vento, a gente precisa se abrigar no posto de saúde e só conseguimos voltar a dar aulas quando para de chover. Os alunos estão acostumados com os animais e já viram onças passando por ali, mas os professores não. Acabamos ficando vulneráveis por não ter uma estrutura adequada”, disse.
Os coordenadores e professores estão buscando recursos para fazer a construção de uma escola. Manoel ressalta o papel da coordenadora educacional do setor indígena Vera Lúcia Solidera e da coordenadora educacional de Vilhena Maria de Fátima Alves. “Elas se esforçam muito para que isso aconteça e, realmente, não medem esforços. A gente faz o que pode e até um pouquinho mais… Queremos preparar os alunos e ter uma estrutura melhor para isso”, concluiu.